- “... usque consumatio doloris legendi” (leitura penosa até a consumação)
ORELHAS DO LIIVRO
APRESENTAÇÃO
Décio Pignatari
O Catatau, de Paulo Leminski, figura entre
aquelas obras literárias que, de saída, destinaram-se a um público vertical, embora,
na orgulhosa soberba de quem sabe e sente que acabou de produzir um romance
marcante, afirmasse, na abertura do livro, que
o próprio (desde a publicação dos primeiros
fragmentos em periódicos da época) vinha passando “muito bem sem mapas” e que se
negava a “ministrar clareiras para a Inteligência”. E finalizava a incisiva
nota: “Virem-se”.
Catatau faz trinta anos no ano que vem.
Infelizmente, como era de te-mer-se, se não de esperar-se, suas escassas
edições até o presente não confirmaram o otimismo do autor quanto ao “passar bem”
da obra, no que se refere ao número de leitores... horizontais.
Explico-me e adianto que, antes de mais
nada, lanço mão de algumas noções simples da Teoria da Informação, tão simples
que beiram até o óbvio, embora, quando projetadas numa tábua de valores, sejam
de pronto rejeitadas por boa parte daqueles que as têm, de início, na conta de
verdades triviais. Entenda-se por informação o teor de surpresa ou raridade dos
signos postos em jogo.
No caso da obra de arte, porém, trata-se de
surpresa ou raridade qualitativas, e não simplesmente quantitativas ou
mensuráveis. São vários e variáveis os parâmetros que se manifestam ou exibem
no espectro ou leque da raridade ou inovação artísticas, e deles se tem ocupado,
direta ou indiretamente, a crítica literária dos últimos dois séculos, período
em que ela se institucionalizou no universo cultural.
Vamos a exemplos. Coelho Neto aciona em sua
obra de ficção um léxico dicionarizado riquíssimo (cerca de vinte mil
vocábulos), se comparado ao acervo vocabular contido de um Machado de Assis, de
Memórias póstumas de Brás Cubas, ou de Oswald de Andrade, de Memórias
sentimentais de João Miramar. No entanto, não lhes chega aos pés, porque essa
pedraria verbal logo perde o brilho por engastar-se num diagrama,
sintático-narrativo, de metal barato, banal e redundante. Visa a efeitos, não a
eficácia. Grandes e ricos também são os baús verbais de Joyce, em Ulisses, ou
de Guimarães Rosa, em Grande Sertão, repicando entre o oral e o escrito, e
cujos conteúdos são despejados e distribuídos numa rede relacional narrativa
sempre surpreendente. Levando-se em conta as condições socioculturais diversas,
o aclamado “príncipe dos prosadores brasileiros” foi um best-seller em sua
época, mais lido do que, juntos e somados, o grande Machado, o grande Oswald e
o grande Rosa (grande, aqui, em função de suas obras-pico). Em registro
paralelo, e mais direto: quantos, no Brasil, lêem, de verdade, anualmente, Os lusíadas?
Ponhamos: quinhentos leitores. Em projeção para um século: cinqüenta mil.
Vinícius de Morais talvez chegue a esse número numa década. Mas poesia é um
gênero difícil... Na época atual, vários escritores ficcionais brasileiros têm
mais de cem mil leitores anuais. Quantos terão em 2054?
Emily Dickinson (1830-1886) escreveu 1.775
poemas, só publicou sete em vida, e perguntava: “Is Heaven a physician?”.
Redescoberta e recuperada pelo tempo,
algumas décadas depois da morte, foi projetada no rol dos grandes poetas da
língua inglesa do século XIX. Seria o tempo um grande crítico justiceiro?
Pode-se dizer que sim, com algumas exceções estranhas (o caso de Sousândrade, p.
ex.) — mas não por mera inércia de relógios e calendários. É que obras difíceis
e intrigantes, em culturas progressivas e não apenas sucessivas, sempre acabam
por atrair mentes perscrutadoras, que põem em causa os critérios vigentes de
avaliação, o que não ocorre normalmente com obras tacitamente e prazerosamente
acolhidas.
Redescoberto e reposto em circulação, seu
teor informacional ganha a vida que, muita vez, nem chegou a ter.
Paulo Leminski como que seguiu à risca o
libreto do seu destino inscrito na palavra catatau, que quer dizer, a um só
tempo, pequeno e grande. Primeiro, fez o grande, o difícil, o vertical — esta obra
que lhe tomou oito anos de dedicação, fervor e sofrimento.
Saído do deslumbrante inferno criativo,
voltou à superfície para rever as estrelas, tal anti-Eurídice a chamado de
Orfeu: inferno, nunca mais! E pôs-se, com gosto e desenvoltura, a realizar a
segunda parte de sua missão, a tarefa propriamente poética, que lhe trouxe a merecida
fama e o imerecido e cruel julgamento existencial dos fatos.
Possa este mapa, que não queria ver cartografado,
levar e elevar o seu Catatau aos campos elíseos literários do que de mais
instigante e original se produziu no passado século brasileiro. Nascido de um
projeto que apresentei à Fundação Cultural de Curitiba, em 2001, na qualidade
de consultor de Literatura, muitas mãos e empenhos traçaram este mapa,
incluindo os dirigentes da instituição, os assistentes da área, os
pesquisadores, os herdeiros, o editor, seus designers e assessores.
Curitiba, agosto de 2004.
http://www.itaucultural.org.br/iconoclassicos/filme2.htm
http://www.itaucultural.org.br/iconoclassicos/filme2.htm
Paulo Leminski
Poeta, romancista e tradutor. Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, Paraná, em 1944. Aos 12 anos, ingressou no Mosteiro de São Bento, onde adquiriu conhecimentos de latim, teologia, filosofia e literatura clássica. Em 1963, viajou para Belo Horizonte para participar da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, onde conheceu Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, criadores da poesia concreta. No ano seguinte, publicou seus primeiros poemas na revistaInvenção, editada pelos concretistas, e tornou-se professor de história e redação em cursos pré-vestibulares, experiência que motivou a criação de seu primeiro romance, Catatau (1976). Foi diretor de criação e redator em agências de publicidade. A paixão pela cultura japonesa o levou a escrever haicais e uma biografia de Matsuo Bashô. O interesse pelos mitos gregos, por sua vez, inspirou a prosa poética Metaformose. Exerceu intensa atividade como crítico literário e tradutor (traduzindo para o português obras de James Joyce, Samuel Beckett, Yukio Mishima, Alfred Jarry, entre outros), colaborou com revistas de vanguarda comoRaposa, Muda e Qorpo Estranho, e faz parcerias musicais com Caetano Veloso e Itamar Assumpção, entre outros. Em 1968, casou-se com a poeta Alice Ruiz (1946), com quem viveu por 20 anos e com quem teve três filhos: Miguel Ângelo (que morre aos dez anos de idade), Áurea e Estrela. Em 7 de junho de 1989, morreu vítima de cirrose hepática.
Cao Guimarães
Cineasta e artista plástico, nasceu em 1965 em Belo Horizonte, onde vive e trabalha.
Desde o fim dos anos 1980, exibe seus trabalhos em museus e galerias como Tate Modern, Guggenheim Museum, Museum of Modern Art NY, Gasworks, Frankfurten Kunstverein, Studio Guenzano, Galeria La Caja Negra e Galeria Nara Roesler. Participou de bienais como a XXV e XXVII Bienal Internacional de São Paulo e Insite Biennial 2005 (San Diego/Tijuana). Alguns de seus trabalhos foram adquiridos por coleções como Fondation Cartier Pour L’art Contemporain, Tate Modern, Walker Art Center, Guggenheim Museum, Museu de Arte Moderna de São Paulo, MoMA NY, Instituto Cultural Inhotim, entre outros.
Desde o fim dos anos 1980, exibe seus trabalhos em museus e galerias como Tate Modern, Guggenheim Museum, Museum of Modern Art NY, Gasworks, Frankfurten Kunstverein, Studio Guenzano, Galeria La Caja Negra e Galeria Nara Roesler. Participou de bienais como a XXV e XXVII Bienal Internacional de São Paulo e Insite Biennial 2005 (San Diego/Tijuana). Alguns de seus trabalhos foram adquiridos por coleções como Fondation Cartier Pour L’art Contemporain, Tate Modern, Walker Art Center, Guggenheim Museum, Museu de Arte Moderna de São Paulo, MoMA NY, Instituto Cultural Inhotim, entre outros.
Seus filmes participam de importantes festivais de cinema como Locarno (2004, 2006 e 2008), Mostra Internazionale d'Arte Cinematografica di Venezia (2007), Sundance Film Festival (2007), Festival de Cannes (2005), Rotterdam International Film Festival (2005, 2007 e 2008), Festival Cinema du Réel (2005), Festival Internacional de Documentários de Amsterdam – IDFA (2004), Festival É Tudo Verdade (2001, 2004 e 2005), Las Palmas de Gran Canaria International Film Festival (2008), Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2004 e 2006), Festival do Rio (2001, 2004, 2005, 2006), Sydney International Film Festival (2008), entre outros.
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