sábado, 23 de março de 2013


"Ex-Isto" - CATATAU, Paulo Leminski



- “... usque consumatio doloris legendi” (leitura penosa até a consumação)

Publicado em 29/08/2011: Em "Ex-Isto", Cao Guimarães faz um adaptação ousada de Catatau, intercalando trechos do livro a cenas em que o ator João Miguel, na pele de Descartes, vaga entorpecido pelas selvas tropicais e pelas ruas atuais de Recife e Brasília.


REPUGNATIO BENEVOLENTIAE:
Me nego a ministrar clareiras para a inteligência deste catatau que, por oito anos, agora*, passou muito bem sem mapas. Virem-se.
* vide “Jornal do Escritor” (n° 6, nov. de 1969, Rio de Janeiro), onde tiveram lugar o lançamento oficial da idéia, entrecho e amostragem das primeiras do “ Catatau”. (Página 10, Edição 2004:):

ORELHAS DO LIIVRO
APRESENTAÇÃO
Décio Pignatari
O Catatau, de Paulo Leminski, figura entre aquelas obras literárias que, de saída, destinaram-se a um público vertical, embora, na orgulhosa soberba de quem sabe e sente que acabou de produzir um romance marcante, afirmasse, na abertura do livro, que
o próprio (desde a publicação dos primeiros fragmentos em periódicos da época) vinha passando “muito bem sem mapas” e que se negava a “ministrar clareiras para a Inteligência”. E finalizava a incisiva nota: “Virem-se”.
Catatau faz trinta anos no ano que vem. Infelizmente, como era de te-mer-se, se não de esperar-se, suas escassas edições até o presente não confirmaram o otimismo do autor quanto ao “passar bem” da obra, no que se refere ao número de leitores... horizontais.
Explico-me e adianto que, antes de mais nada, lanço mão de algumas noções simples da Teoria da Informação, tão simples que beiram até o óbvio, embora, quando projetadas numa tábua de valores, sejam de pronto rejeitadas por boa parte daqueles que as têm, de início, na conta de verdades triviais. Entenda-se por informação o teor de surpresa ou raridade dos signos postos em jogo.
No caso da obra de arte, porém, trata-se de surpresa ou raridade qualitativas, e não simplesmente quantitativas ou mensuráveis. São vários e variáveis os parâmetros que se manifestam ou exibem no espectro ou leque da raridade ou inovação artísticas, e deles se tem ocupado, direta ou indiretamente, a crítica literária dos últimos dois séculos, período em que ela se institucionalizou no universo cultural.
Vamos a exemplos. Coelho Neto aciona em sua obra de ficção um léxico dicionarizado riquíssimo (cerca de vinte mil vocábulos), se comparado ao acervo vocabular contido de um Machado de Assis, de Memórias póstumas de Brás Cubas, ou de Oswald de Andrade, de Memórias sentimentais de João Miramar. No entanto, não lhes chega aos pés, porque essa pedraria verbal logo perde o brilho por engastar-se num diagrama, sintático-narrativo, de metal barato, banal e redundante. Visa a efeitos, não a eficácia. Grandes e ricos também são os baús verbais de Joyce, em Ulisses, ou de Guimarães Rosa, em Grande Sertão, repicando entre o oral e o escrito, e cujos conteúdos são despejados e distribuídos numa rede relacional narrativa sempre surpreendente. Levando-se em conta as condições socioculturais diversas, o aclamado “príncipe dos prosadores brasileiros” foi um best-seller em sua época, mais lido do que, juntos e somados, o grande Machado, o grande Oswald e o grande Rosa (grande, aqui, em função de suas obras-pico). Em registro paralelo, e mais direto: quantos, no Brasil, lêem, de verdade, anualmente, Os lusíadas? Ponhamos: quinhentos leitores. Em projeção para um século: cinqüenta mil. Vinícius de Morais talvez chegue a esse número numa década. Mas poesia é um gênero difícil... Na época atual, vários escritores ficcionais brasileiros têm mais de cem mil leitores anuais. Quantos terão em 2054?
Emily Dickinson (1830-1886) escreveu 1.775 poemas, só publicou sete em vida, e perguntava: “Is Heaven a physician?”.
Redescoberta e recuperada pelo tempo, algumas décadas depois da morte, foi projetada no rol dos grandes poetas da língua inglesa do século XIX. Seria o tempo um grande crítico justiceiro? Pode-se dizer que sim, com algumas exceções estranhas (o caso de Sousândrade, p. ex.) — mas não por mera inércia de relógios e calendários. É que obras difíceis e intrigantes, em culturas progressivas e não apenas sucessivas, sempre acabam por atrair mentes perscrutadoras, que põem em causa os critérios vigentes de avaliação, o que não ocorre normalmente com obras tacitamente e prazerosamente acolhidas.
Redescoberto e reposto em circulação, seu teor informacional ganha a vida que, muita vez, nem chegou a ter.
Paulo Leminski como que seguiu à risca o libreto do seu destino inscrito na palavra catatau, que quer dizer, a um só tempo, pequeno e grande. Primeiro, fez o grande, o difícil, o vertical — esta obra que lhe tomou oito anos de dedicação, fervor e sofrimento.
Saído do deslumbrante inferno criativo, voltou à superfície para rever as estrelas, tal anti-Eurídice a chamado de Orfeu: inferno, nunca mais! E pôs-se, com gosto e desenvoltura, a realizar a segunda parte de sua missão, a tarefa propriamente poética, que lhe trouxe a merecida fama e o imerecido e cruel julgamento existencial dos fatos.
Possa este mapa, que não queria ver cartografado, levar e elevar o seu Catatau aos campos elíseos literários do que de mais instigante e original se produziu no passado século brasileiro. Nascido de um projeto que apresentei à Fundação Cultural de Curitiba, em 2001, na qualidade de consultor de Literatura, muitas mãos e empenhos traçaram este mapa, incluindo os dirigentes da instituição, os assistentes da área, os pesquisadores, os herdeiros, o editor, seus designers e assessores.
Curitiba, agosto de 2004.

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http://www.itaucultural.org.br/iconoclassicos/filme2.htm

Paulo Leminski


Poeta, romancista e tradutor. Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, Paraná, em 1944. Aos 12 anos, ingressou no Mosteiro de São Bento, onde adquiriu conhecimentos de latim, teologia, filosofia e literatura clássica. Em 1963, viajou para Belo Horizonte para participar da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, onde conheceu Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, criadores da poesia concreta. No ano seguinte, publicou seus primeiros poemas na revistaInvenção, editada pelos concretistas, e tornou-se professor de história e redação em cursos pré-vestibulares, experiência que motivou a criação de seu primeiro romance, Catatau (1976). Foi diretor de criação e redator em agências de publicidade. A paixão pela cultura japonesa o levou a escrever haicais e uma biografia de Matsuo Bashô. O interesse pelos mitos gregos, por sua vez, inspirou a prosa poética Metaformose. Exerceu intensa atividade como crítico literário e tradutor (traduzindo para o português obras de James Joyce, Samuel Beckett, Yukio Mishima, Alfred Jarry, entre outros), colaborou com revistas de vanguarda comoRaposa, Muda e Qorpo Estranho, e faz parcerias musicais com Caetano Veloso e Itamar Assumpção, entre outros. Em 1968, casou-se com a poeta Alice Ruiz (1946), com quem viveu por 20 anos e com quem teve três filhos: Miguel Ângelo (que morre aos dez anos de idade), Áurea e Estrela. Em 7 de junho de 1989, morreu vítima de cirrose hepática.

Cao Guimarães


Cineasta e artista plástico, nasceu em 1965 em Belo Horizonte, onde vive e trabalha.
Desde o fim dos anos 1980, exibe seus trabalhos em museus e galerias como Tate Modern, Guggenheim Museum, Museum of Modern Art NY, Gasworks, Frankfurten Kunstverein, Studio Guenzano, Galeria La Caja Negra e Galeria Nara Roesler. Participou de bienais como a XXV e XXVII Bienal Internacional de São Paulo e Insite Biennial 2005 (San Diego/Tijuana). Alguns de seus trabalhos foram adquiridos por coleções como Fondation Cartier Pour L’art Contemporain, Tate Modern, Walker Art Center, Guggenheim Museum, Museu de Arte Moderna de São Paulo, MoMA NY, Instituto Cultural Inhotim, entre outros.
Seus filmes participam de importantes festivais de cinema como Locarno (2004, 2006 e 2008), Mostra Internazionale d'Arte Cinematografica di Venezia (2007), Sundance Film Festival (2007), Festival de Cannes (2005), Rotterdam International Film Festival (2005, 2007 e 2008), Festival Cinema du Réel (2005), Festival Internacional de Documentários de Amsterdam – IDFA (2004), Festival É Tudo Verdade (2001, 2004 e 2005), Las Palmas de Gran Canaria International Film Festival (2008), Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2004 e 2006), Festival do Rio (2001, 2004, 2005, 2006), Sydney International Film Festival (2008), entre outros.

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