domingo, 3 de março de 2013

O amor supera o animal?

Prezados geonautas,
Essa pergunta provocadora, para o ser racional intelectualizado (para muitos seres, como minha mãe, uma pergunta besta), foi lançada no meio do primeiro ato da encenação de Lulu, peça escrita pelo alemão Frank Wedekind, a mais de um século. Peça apresentada no Sesc Pinheiro em novembro de 2012, com falas em alemão e inglês e com legenda em português, pelo grupo de teatro alemão, BERLINER ENSEMBLE, fundado por Bertolt Brecht em 1949, com direção do americano Robert Wilson.
A peça fala sobre o mito da origem da mulher, a mulher idealizada segundo a mitologia grega, interpretada no final do século XIX, de acordo com o nascimento e a visaõ de mundo da modernidade, Lulu é apresentada como uma “fera selvagem”, uma amoralidade do desejo, do plano transcendental para o plano inconsciente.
O mundo muda desde o tempo da antiguidade, antes mesmo dos impérios, mas os problemas humanos permanecem os mesmos. Por causa da invariabilidade da natureza humana, elas são as mesmas desde a antiguidade: poder, dinheiro, amor, ódio, egoísmo humano (selfish gene e unselfish gene) e a especulação individual.
É como a invariabilidade da velocidade de translação da terra em volta do sol, andamos a velocidade de 108 mil Km por hora ou 30 Km/s, e não percebemos absolutamente nada em nossas vidas cotidianos (a invariância foi a grande sacada genial de Galileu Galilei). Percebemos que temos dia e noite, mas também não sentimos a intensidade da velocidade de rotação da terra (1.674 km/h).
A construção de valores provenientes desde o Renascimento. O narcisismo da humanidade, de acordo com Freud, que foi colocado como a terceira grande cicatriz do narcisismo da humanidade: Copérnico: “Nós não somos o centro do universo”. Darwin: “Nós não derivamos de Deus, mas o macaco”. Freud: “Nós não dominam a nossa consciência, o pensamento inconsciente para mim”.
A pergunta trás em si uma visão de mundo eurocêntrico, a visão de mundo do homem racional, o “homo sapiens” (o homem que sabe), do mundo iluminista e moderno dos últimos séculos, os valores da ciência da certeza, aflora de forma muito forte os valores do egocentrismo humano que tudo pode, controlar a terra, o céu e o universo. Uma construção de valores que vem desde desde o renascimento.
É uma visão de mundo ultrapassado e estúpido, como a pergunta, também estúpida. Não somos somente animais racionais que pensa (homo sapiens), somos animais racionais e emocionais, "homo spiritualis".
Mas sabemos hoje que o homem não sabe muito, pelo contrário, sabemos pouco, bem pouco. Falta-nos compreensão, sobra-nos egocentrismo, como dizem os índios para nós, estamos na infância do pensamento humano.
Continuamos prisioneiros entre dois extremos, por um lado, prevalece ainda a visão de mundo do “homo sapiens”, a visão de mundo secular do homem da razão pura, materialista, sem crenças e sem espírito e por outro lado, a visão de mundo milenar governados pela igreja e pelos religiosos.
A relação entre o conhecimento e ignorância: supõe-se normalmente que, quanto mais eu sei, menos ignorante eu sou. Do pensamento de Einstein, de volta ao filósofo grego Sócrates, ambos mostram-nos a ideia oposta. O círculo de conhecimento de Einstein nos ajudar a entender a questão, quando o "círculo" do nosso conhecimento cresce, cresce também a "circunferência" associado a nossa experiência com a ignorância. Ao invés de relação inversa, as relações entre o conhecimento e a ignorância são diretamente proporcional. Como disse Sócrates, XXV séculos atrás, "Quanto mais eu sei, mais eu descubro que nada sei".

Uma história do início do século XX sobre a visão de mundo eurocêntrico, tradução livre:
Maurice Leenhardt (1979), um missionário católico que tinha passado muitos anos ensinando o Evangelho na Nova Caledônia (Ilha do Pacífico - colônia francesa), experimentou um momento na década de 1920, quando ele pediu a um de seus alunos, um escultor de idade avançada, chamado Boesoou, como ele se sentia por ter sido apresentado a ideias espirituais:
Uma vez, esperando para avaliar o progresso mental dos Canaques,
Que eu tinha ensinado por muitos anos, eu arrisquei a seguinte sugestão:
"Em suma, nós introduzimos a noção do espírito à sua maneira
de pensar? "
Ele se opôs, "Espírito? Bah! Você não trouxe o espírito.
Nós já sabíamos que o espírito existe. Nós sempre atuamos de
acordo com o espírito. O que você nos trouxe foi o corpo."
A noção de que os seres humanos tinham alma parecia a Boesoou ser evidente. A noção de que havia tal coisa como o corpo, além da alma, uma coleta de material simples de nervos e tecidos, sem falar que o corpo é a prisão da alma, que a mortificação do corpo pode ser um meio para a glorificação ou liberação da alma, tudo isso, ao que parece, foi-lhe totalmente novo e exótico. (Debt_The First 5.000 Years_2011, P:243-44).
Essa história relatada, de quase um século, nos faz refletir o quanto o saber do colonizador, por vezes,  esta completamente errados em sua visão de mundo, como esse religioso, vendendo suas verdades, querendo catequisar outros povos com o seu saber, e ignorando o saber dos outros povos.
Uma história fantástica como a anterior: DEMASIADAMENTE PÓS-HUMANO, Laymert Garcia dos Santos (2005):
(...) "Ailton Krenak me contou uma história fantástica do dia em que ele e Davi Kopenawa Yanomami foram até Atenas receber um prêmio da Fundação Onassis pela preservação do meio ambiente. Recepcionados com limusine na porta do avião, banquetes, aquela loucura toda, eles receberam o prêmio e, enfim, foram levados para uma visita à Acrópole junto com o embaixador brasileiro. Quando a visita acabou, o embaixador perguntou para Davi: “Então Davi, o que você acha?” E ele respondeu: “Ah! Agora eu entendi, a casa do avô do garimpeiro é aqui”. “Onde estão as florestas de vocês?”, ele perguntou. “Aqui nunca teve floresta?” E responderam: “sim, há muito tempo, mas depois...”. Eu achei fantástico, porque ele trazia, agora, o antes! É o pré-socrático chegando! Ele diz: “Entendi, vocês são construtores de ruínas!” Numa outra chave, pode-se dizer: “que cretino, não soube ver a beleza da Acrópole”. Mas a relação que ele fazia era entre a ruína da Acrópole e a floresta. Num tipo de pensamento destes, o que interessa é a origem, é o “antes”, então ele vai pra trás. Acho isso muito interessante como situação."
O conhecimento racional e o conhecimento emocional andam juntos, ou deveriam, razão e paixão, lado esquerda e direito do cérebro. Como sabemos pelas evidências da antropologia e arqueologia, o “homo espiritualis” existe desde o tempo da era paleolítica, os rituais religiosos já eram práticas dos pré-humanos há 40 mil anos atrás, junto com a música, as flautas de músicas datam do mesmo período.

Portanto, na pergunta, “O amor supera o animal?” residem valores e conceitos que precisam ser compreendidos em nossa realidade desde século XXI, uma profunda mudança de conceito, porque não somos somente “homo sapiens”, mas primeiramente e principalmente, somos “homo spiritualis”.
Nesse sentido, a pergunta provocativa para os intelectuais da razão e “estúpida” para quem sente a vida do ponto de vista além da razão, poderá passar a adquirir um outro sentido bem mais amplo, pois a incerteza (homo spiritualis) é a vida, a certeza (homo sapiens) é a morte.
Pano rápido, a sabedoria popular, sabe mas não sabe que sabe, e também não perde tempo com perguntas provocativa “besta”.

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